O draft da NBA de 2012 é cheio de nomes intrigantes. Por exemplo, a superestrela da classe viveu às expectativas e se transformou no melhor jogador dela. Anthony Davis, desejado por 30 das 30 franquias da NBA na época, virou tudo e um pouco mais que se imaginava.
Além dele, Damian Lillard, Bradley Beal, Harrison Barnes e Andre Drummond foram escolhidos naquele ano e estão pela NBA até hoje, atuando com relevância. Foi também o draft que levou o já falecido pivô brasileiro Fab de Melo ao Boston Celtics.
Mas, das figuras todas selecionadas em 2012, uma fugiu completamente da carreira de jogador profissional de basquete. Selecionado na 16ª escolha pelo Houston Rockets, o ala Royce White nunca chegou a vestir o uniforme da franquia texana e durou pouquíssimo tempo na liga. Hoje, ele é alguém relevante na política estadunidense.
Quem é Royce White?
White nasceu em Minneapolis em 1991. Frequentou a DeLaSalle High School, onde começou a se destacar no basquete. Em seu último ano, foi para a Hopkins High School, quando ajudou o time da escola a terminar a temporada invicto. Na grande mídia que cobre basquete escolar americano, White frequentava a lista dos 10 melhores prospectos da posição no país e estava no top 20 geral.
Para o College, o ala recebeu mais de 25 propostas de bolsas, incluindo nomes como Michigan State, Texas A&M, Purdue e Arizona. Ele escolheu ficar perto de casa, em Minnesota.
Primeiro ano de College suspenso e troca de Universidade
O atleta não começou bem seu primeiro ano universitário. Royce White se declarou culpado de roubo e desordem num shopping center em Minnesota. Ele foi acusado de roubar o equivalente a 100 dólares em roupas e também de agressão contra um segurança do estabelecimento. Assim, ele foi suspenso da temporada 2009-10 do basquete universitário.
Na verdade, ele nunca jogaria por Minnesota. Já em fevereiro de 2010, White se desligou da Universidade depois de ser ligado a uma invasão e um roubo de um notebook em um dormitório. É interessante notar que o ala deixou o College com boas notas, conceito B no sistema americano.
Royce logo foi recebido em Iowa State, onde o técnico Fred Hoiberg tinha acabado de perder sua estrela: Craig Brackins havia sido selecionado na 21ª escolha do Draft de 2010 pelo Oklahoma City Thunder.
Pelos trâmites do meio universitário, White só conseguiu jogar na temporada de 2011-12 por Iowa. E também foi sua única por lá. Deixou a universidade com ótimas médias de 13,4 pontos, 9,3 rebotes e 5 assistências.
Quase loteria virou loteria completa
White se transformou naquela típica escolha das grandes ligas americanas: alto risco, alta recompensa. O Houston Rockets, munido com uma escolha número 16, onde geralmente os nomes mais cotados já deixaram o board, resolveu arriscar. O time já tinha um Power Forward jovem, mas Patrick Patterson não estava dando sinais de grande evolução, então, para complementar um elenco com muitos armadores, o time do Texas arriscou.
Mas não se deu muito bem. White, diagnosticado com Transtorno de Ansiedade Generalizada, tinha um grande empecilho para jogar na NBA: medo de voar. Entrar num avião não fazia nada bem ao atleta. Numa liga que, durante a temporada regular, ou você está jogando, ou está dentro de uma aeronave, isso era algo muito grande a ser superado.
Depois de perder a primeira semana de training camp, White e o Houston chegaram a uma acordo. O time permitiu que ele viajasse, quando possível, de ônibus, para minimizar o uso do avião. Naquele ano, o Houston começou a temporada fora de casa e White foi, por avião, com a equipe até Detroit e depois pegou ônibus para Atlanta e Memphis.
A partir daí, jogador e franquia nunca conseguiram conviver em paz. White alegava que o Houston não o estava ajudando com sua saúde mental. O Houston, por outro lado, dizia que o atleta não estava pronto e estava trabalhando para que pudesse contar com ele no longo prazo.
O jogador seguiu sem aparecer por um bom tempo nos treinamentos e atividades dos Rockets. No dia 29 de dezembro, a franquia o designou para o seu afiliado na (então) D-League, o Rio Grande Valley Vipers. No dia seguinte, White recusou ir para o time.
White queria mais suporte, Houston queria mais jogo
A novela durou bastante. White ainda foi suspenso sem receber pagamentos antes de aceitar ir para os Vipers em fevereiro de 2013. Pouco antes da sua estreia, o USA Today publicou uma matéria tentando explicar a situação do novato.
A matéria trazia a informação que White conseguiu passar pela temporada do college, com 20 voos realizados. Mas, na NBA, a coisa era bem diferente. O Houston tinha planejado 98 viagens de avião para aquela temporada.
A matéria ainda dizia que White tentou alguns medicamentos para superar a dificuldade de entrar num avião, mas eles também reduziam sua energia, segundo o próprio atleta. Se para voar ele precisava se medicar, e ele teria 98 voos numa temporada, ele poderia ficar viciado nos remédios.
No fim, pelo time de desenvolvimento dos Rockets, White jogou 16 partidas e teve médias de 11,4 pontos, 5,7 rebotes e 3,3 assistências por jogo. Mas, em março, o próprio jogador anunciou, no então Twitter, que não jogaria mais pelos Vipers, chegando a um consenso com seus médicos e os médicos do clube. Naquele ano, os Vipers foram campeões da D-League, mas White não participou dos playoffs com eles.
Pós Houston e outras tentativas
Em julho de 2013, White foi trocado pelo Houston para o Philadelphia 76ers. No Media Day da temporada 2013-14, o ala declarou que faria as viagens necessárias com o time, mas não entrou no avião no dia 4 de outubro para ir à Espanha com os companheiros de time. White, na época, disse que não faria 100 voos por ano e que isso seria comparável a uma pessoa com alergia a manteiga de amendoim bezuntar todo seu corpo com o produto. Exatamente 3 semanas depois da primeira viagem, White foi dispensado pelo time.
Em 2014, White ainda passou um tempo entre o Sacramento Kings e o afiliado da franquia, o Reno Bighorns. Nunca fez nada relevante.
White ainda jogou pela liga canadense, onde foi suspenso por se envolver num bate-boca com dirigentes. Assinou um contrato na Itália, mas não apareceu por lá e, aí, só lhe restou o Big 3, muitos anos depois.
Largando o basquete de vez
Em 2019, White lançou um livro chamado “MMA x NBA, Uma Crítica do Esporte Moderno na América” e anunciou que estava mudando para a carreira de lutador. Em 2021, fez sua estreia no octógono e perdeu para Daiqwon Buckley num evento da Legacy Fighting Alliance. Aposentou depois da derrota.
A aposentadoria deu a oportunidade de White se expressar cada vez mais. Hoje, ele é conhecido nos Estados Unidos por ser um político de extrema-direita capaz de apoiar as ideias e teorias da conspiração mais estapafúrdias.
White não foge ao livro comum da ala extrema. Apoiado pelo ex-estrategista de Donald Trump, Steve Bannon, o ex-atleta mistura um discurso de valorização da saúde mental com ideias que vende como libertárias e propaga notícias falsas ou incompletas. Sobre Bannon, por exemplo, White já declarou que ele tem a coragem de dizer coisas que os outros não dizem. Bannon no foi solto no último dia 29 de outubro, depois de ser detido por não ter colaborado com as investigações sobre a invasão do capitólio, o que talvez dê indícios que ele pode não ter essa coragem toda de dizer coisas que os outros não dizem.
Abrindo portas com polêmicas
Uma das estratégias de White foi certeira: se envolveu em todos os assuntos que ganhavam notoriedade depois que decidiu virar político.
Royce, por exemplo, esteve presente no movimento de Black Lives Matters, quando liderou diversos protestos motivados pelo assassinato de George Floyd. O curioso é que ele negou qualquer ligação ao BLM, mas também citou que sua vontade de se manifestar foi inspirada em Colin Kaepernick, ex-atleta da NFL, que ficou marcado por se ajoelhar durante o hino como forma de protesto. São informações que divergem um pouco, certo?
Em 2021, White apareceu novamente nas notícias ao protestar contra a situação dos Uigures na China. Apesar de fazer todo sentido demonstrar um apoio à etnia, o ex-atleta não parece ter feito isso com uma intenção de altruísmo e bondade. A própria questão dos Uigures levanta debates muito mais profundos, com as versões de ambos lados da história precisando ser debatidas. Mas Royce não é bobo, e sabe muito bem da relação da NBA com a China, acusada de genocídio contra o povo Uigur, e pode ter usado como um palanque.
Na imagem abaixo, temos o ala depois de um jogo da liga Big 3, e vejam que, além de pedir pela libertação do povo, ele colocou um Swoosh, a tradicional marca da Nike, ao contrário na peça. Na época, a empresa do Oregon, foi uma das acusadas por participar da suposta exploração do povo muçulmano na região de Xinjiang.
A questão toda é muito complexa e White, com essa manifestação, certamente não ajudou em muito esclarecimento. Provavelmente, foi só mais uma causa aleatória, que a mídia jogou para o grande público através de informações pouco confiáveis. No final do texto, vou deixar algumas referências dos dois lados para vocês se informarem mais, caso queiram.
Num ponto, pode haver razão. Relação da NBA com a China é complicada
O tema dos Uigures não voltou à pauta do candidato ao senado americano depois dessa manifestação. Particularmente, acredito que isso tenha acabado com qualquer chance de Royce um dia voltar a ser jogador da NBA, se é que ela existia. A relação da liga norte-americana com o país já é muito antiga e passou por diversos episódios polêmicos recentemente. Lembram quando Daryl Morey foi tirado da posição de General Manager dos Rockets ao apoiar os protestos em Hong Kong?
Os acontecimentos não param por aí. Um investidor do Golden State Warriors, perguntado se estaria preocupado com a situação dos Uigures, respondeu que eles tinham muito a se preocupar com coisas deles para depois se preocupar com alguém que está em outro país. O ex-pivô Enes Kanter nunca mais apareceu na liga depois de se indispor com a China e com o governo do seu país natal, a Turquia. Kanter, inclusive, também tinha um perfil de virar político nos Estados Unidos, especialmente depois de se aproximar de vários nomes da extrema-direita. Vamos ficar de olho nesse sumido!
2022 e a primeira campanha
Em 2022, White resolveu concorrer pela nominação do Partido Republicano no 5º Distrito Congressional de Minnesota na Câmara dos Deputados. Ele foi apoiado pela mente por trás de tudo que elevou Donald Trump à posição atual, o estrategista Steve Bannon.
É nesse momento que White realmente começa a apelar para estratégias mais claras da extrema-direita. Vimos que suas bandeiras anteriores podiam fazer sentido: apoiar o BLM (apesar de negar) e falar sobre a causa da saúde mental. Mas, para a campanha de deputado poder decolar, as coisas foram para um nível diferente.
White não foi o candidato escolhido pelo partido na ocasião, mas ele continuou se envolvendo na política e presença recorrente nos jornais da região. No mesmo ano, Paul Pelosi, o marido de Nancy Pelosi, uma das vozes mais relevantes do Partido Democrata, sofreu uma tentativa de assassinato dentro casa. Naquele momento, White foi um dos que divulgou a teoria da conspiração que o ataque aconteceu por causa de um caso extraconjugal homoafetivo que Paul estaria tendo.
Já agora em 2024, foi trazido à tona que, uma semana após a eleição de 2022, ele teria gasto 1.200 dólares numa boate de striptease em Miami. O problema? era dinheiro de campanha.
Misoginia, homofobia, bandidagem… o pacote completo
Em 2023, na estratégia de continuar aparecendo, White disse que as mulheres ficaram muito tagarelas. Já em 2024, ele declarou que, “se os republicanos pensam que as mulheres do subúrbio vão ser o caminho para a vitória, eles têm uma mentalidade de cornos.“
O fato é que, ainda em 2023, ele anunciou que concorreria ao Senado pelo Partido Republicano. Dessa vez, ele venceu a convenção estadual em maio de 2024 e, em agosto, venceu a primária republicana.
Mas o show de desinformação continuou. Em junho ele se “confundiu“ e tuitou o mapa de fontes com águas potáveis em Minneapolis dizendo que era um mapa de crimes na cidade.
Questão importantes foram se perdendo e até antissemitismo apareceu
Ele voltou a abordar questões de saúde mental, depois de tanto tempo sem trazê-las à tona. Mas, dessa vez, a causa parecia bem mais enviesada. Para White, o mundo está doente por causa do materialismo e da queda na espiritualidade.
A verdade é que cada vez mais, o candidato deixou de mostrar preocupação com causas reais e mostrou a verdadeira faceta ao destilar todo preconceito, misoginia e espalhar fake news e teorias da conspiração.
O pacote é completo. Durante a campanha, White também atacou as elites judaicas, a ponto da Coalizão Judaica Republicana, que apoia políticos do partido, descrevê-lo como antisemita. Royce também correu para defender o rapper Kanye West quando declarou que amava Adolf Hitler e os nazistas. White disse que os judeus focam no Holocausto para se vitimizarem e realizarem suas práticas corruptas. Ainda disse que Israel é o eixo central da Nova Ordem Mundial.
Os caras maus venceram a Segunda Guerra Mundial
Nessa avalanche, sobrou até para o próprio país na metralhadora de absurdos. O ex-atleta teve um tuíte de 2022 trazido à tona, quando ele disse que os caras maus venceram a Segunda Guerra Mundial. Complementou dizendo “Os interesses controladores tiveram uma bola ao alto. Se olharmos atentamente, vemos a ligação entre o liberalismo e o comunismo nas forças aliadas. Lembrem-se do que o General Patton disse e por que eles o assassinaram.“
Perguntado sobre os caras maus, ele disse que eram os que tinham se beneficiado da Segunda Guerra sem ter lutado, pessoas que financiavam as guerras, ganhavam poder político ou proeminência institucional. Parece até fazer algum sentido, certo? Aí ele complementou com: “Estou falando de entidade como a Organização das Nações Unidas, a qual eu não sou o primeiro a criticar, e organizações como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.“
Podemos ver White realmente no Senado?
No dia que esse artigo foi publicado previamente para os apoiadores, em 4 de novembro, a última informação é que White estaria 12 pontos atrás da sua concorrente pela vaga, a democrata veterana Amy Klobuchar. A eleição ocorre amanhã, dia 05/11/2024.
Mas a verdade é que não vejo qualquer chance de White sumir da mídia, agora que seu discurso contra tudo e contra todos está azeitado e cada vez mais agressivo. Infelizmente, isso é o que vemos crescer no mundo atual e não duvidaria de ver Royce ganhando mais relevância política num futuro próximo.
Abaixo, deixo os textos, matérias e artigos que usei para escrever esse artigo. recomendo bastante a leitura de alguns, especialmente os que falam dos movimentos e apoios que Royce deu ainda sem o viés completamente voltado a teorias da conspiração e fake news.
Bibliografia e referências
Página do Houston 2011-12 no BKref
Royce White at odds with Rockets
Royce White: ‘Hell, no,’ I won’t make 100 NBA flights
Rockets’ Royce White still absent
Ex-NBA, Iowa State star Royce White leads peaceful protest in hometown of Minneapolis
Ex-NBA player Royce White is taking on politics with Steve Bannon backing him
Why Activist Royce White Thinks NBA Players Should Get Out of the Bubble and Onto the Streets
Royce White: A candidate’s controversial path from NBA to Maga
What Happened To Royce White? Revisiting NBA career, stats of Minnesota Republican Senate nominee
Minnesota GOP Senate candidate Royce White didn’t vote for his own 2022 campaign
GOP-endorsed U.S. Senate candidate mistakes drinking fountains for crime in map mix-up
Por dentro dos campos de ‘reeducação’ para onde são mandados muçulmanos na China
A Realidade dos Uigures na China
Apple and Nike urged to cut ‘China Uighur ties’
Sport is indifferent to the Uyghur genocide: the Warriors investor said the quiet part out loud
Senate candidate Royce White says suburban women voters are for suckers
How Republicans Fed a Misinformation Loop About the Pelosi Attack
Minnesota GOP Senate candidate: ‘The bad guys won in WWII’
Ex-NBA player Royce White lauded for ‘Free the Uygurs’ stance at Big 3 basketball
Poll: Klobuchar leads White by 12 percentage points in U.S. Senate race
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