É difícil saber até onde vai a luta pelo engajamento nas redes hoje em dia. Temos que ter cuidado para perceber se estamos caindo meramente em uma “isca” (a famosa bait), ou realmente existe uma opinião válida e sincera ali. Nesta quarta-feira, dia 21, o ex-pivô, ator, músico e atual comentarista Shaquille O’Neal deixou escapar uma dessas. Em edição de seu podcast (o The Big Podcast), Shaq soltou que nem estava prestando atenção às Olimpíadas. A dominância dos EUA no basquete internacional é tanto para gerar esse desinteresse?
Nesse momento, Shaq cita que teve uma pequena discussão com seu primo Kenny sobre o mundo estar se aproximando (dos EUA no basquete). Ele, então, diz que não concorda e emenda com um comentário desnecessário e nos faz refletir sobre algumas outras coisas.
Dois passos atrás: Gilbert Arenas e a polêmica xenofóbica
A mentalidade que Shaq demonstra nos leva a dois assuntos. Primeiro, o caso recente de xenofobia do ex-atleta Gilbert Arenas. Também em seu próprio podcast, Arenas declarou que eles quase perderam para “uns africanos”, se referindo ao mesmo jogo que Shaq citou.
Achando pouca a bobagem que tinha dito, Arenas ainda traz que os EUA não deveriam perder para os “The Air Up There” e para os “Jamaica Abaixo de Zero”, citando dois filmes de superação esportiva – um ambientado no Quênia e outro na Jamaica. Ele continuou, falando ainda que os sul sudaneses não tinham tênis, que os EUA que mandavam pra eles e muito mais bobagens que nem vale citar.
Gilbert Arenas é um ex-atleta com uma carreira de razoável sucesso. Foi All-Star em 3 temporadas, fez parte do segundo time da NBA em 2007 e do terceiro time nos dois anos anteriores. Mas nunca foi vitorioso e acabou a carreira no ostracismo, tendo ido jogar na China por um ano antes de aposentar. Talvez, antes de ressurgir como comentarista em seu podcast, Arenas fosse mais lembrado por um incidente envolvendo arma de fogo no vestiário do Washington Wizards em 2010.
Quando consideramos a carreira do ex-armador, talvez a gente seja capaz de ver exatamente do que ele estão falando: mesmo atletas extremamente talentosos como ele, não são listados como os grandes da história no país.
Então, nos encontramos no cenário de um armador que acabou uma carreira de sucesso sem qualquer apelo ou lembrança. Mas, mesmo assim, em diversos países que participaram das Olimpíadas, ele seria um grande nome na história da seleção.
A realidade da dominância dos EUA no basquete
Em nosso primeiro episódio do 48 Minutos após a volta (e aqui e aqui) o foco foi as Olimpíadas. Em dado momento, discutimos justamente o sofrimento pelo qual os Estados Unidos passou para vencer determinados adversários. Deveriam eles, supostamente com força total, passar por cima de todos os adversários?
A discussão completa você pode ouvir no podcast, mas um ponto que gostaria de ressaltar aqui é: o talento do país ainda é incomparável com qualquer país do mundo. Mas por que não é mais suficiente para vencer diversas partidas numa margem extremamente confortável?
Jogadores como Jalen Brunson, Kyrie Irving, Tyrese Maxey, Chet Holmgren, Jaylen Brown e Zion Williamson foram preteridos nessa última edição de jogos olímpicos. A lista de nomes de jogadores que poderiam fazer parte de praticamente qualquer outra equipe olímpica de basquete é imensa. De’Aaron Fox, Brandon Ingram, Damian Lillard, Cade Cunningham, Paolo Banchero, Jaren Jackson Jr., Paul George, Jimmy Butler, Scottie Barnes, ufa! Tem mais ainda, mas acho que deu pra exemplificar bem, né?
Então quer dizer que Shaq está certo ao achar que a distância não diminuiu?
Então a dominância dos EUA no basquete é real?
Todos sabem que há muito tempo o basquetebol é praticado ao redor do mundo. O jogo em si foi inventado em 1891, por James Naismith. Contudo, já em 1896 estava sendo jogado no Brasil, por exemplo. Desde 1936 está nos jogos olímpicos.
A Copa do Mundo Fiba, o mundial da modalidade, é realizada desde 1950. Nós a vencemos por duas vezes, em 1959 e 1963. Antes, Argentina e Estados Unidos (5 títulos no total) levantaram o troféu.
Desde então, o título tem invariavelmente passado de mão em mão entre americanos e outros países. Iugoslávia (5x), União Soviética (2x), Espanha (2x) e Alemanha foram campeãs do torneio também. Confira abaixo a listagem de campeões:
Vencedores da Copa do Mundo Fiba
Ano | Vencedor | Vice |
---|---|---|
2023 | Alemanha | Sérvia |
2019 | Espanha | Argentina |
2014 | Estados Unidos | Sérvia |
2010 | Estados Unidos | Turquia |
2006 | Espanha | Grécia |
2002 | Iugoslávia | Argentina |
1998 | Iugoslávia | Rússia |
1994 | Estados Unidos | Rússia |
1990 | Iugoslávia | União Soviética |
1986 | Estados Unidos | União Soviética |
1982 | União Soviética | Estados Unidos |
1978 | Iugoslávia | União Soviética |
1974 | União Soviética | Sem vice, “pontos corridos” |
1967 | Iugoslávia | Sem vice, “pontos corridos” |
1963 | Brasil | Sem vice, “pontos corridos” |
1959 | Brasil | Sem vice, “pontos corridos” |
1954 | Estados Unidos | Sem vice, “pontos corridos” |
1950 | Argentina | Sem vice, “pontos corridos” |
Dominância é ainda maior nas Olímpiadas
Nos jogos olímpicos, eles só perderam a medalha de ouro 4 vezes desde 1936. A dominância dos EUA no basquete é quase completa, mas parece que os adversários chegam cada vez mais próximo de impedir essa hegemonia.
Medalhas do Basquete Masculino nos Jogos Olímpicos
Edição | Ouro | Prata | Bronze |
---|---|---|---|
1936 Berlim | Estados Unidos | Canadá | México |
1948 Londres | Estados Unidos | França | Brasil |
1952 Helsinque | Estados Unidos | União Soviética | Uruguai |
1956 Melbourne | Estados Unidos | União Soviética | Uruguai |
1960 Roma | Estados Unidos | União Soviética | Brasil |
1964 Tóquio | Estados Unidos | União Soviética | Brasil |
1968 Cidade do México | Estados Unidos | Iugoslávia | União Soviética |
1972 Munique | União Soviética | Estados Unidos | Cuba |
1976 Montreal | Estados Unidos | Iugoslávia | União Soviética |
1980 Moscou | Iugoslávia | Itália | União Soviética |
1984 Los Angeles | Estados Unidos | Espanha | Iugoslávia |
1988 Seoul | União Soviética | Iugoslávia | Estados Unidos |
1992 Barcelona | Estados Unidos | Croácia | Lituânia |
1996 Atlanta | Estados Unidos | Iugoslávia | Lituânia |
2000 Sydney | Estados Unidos | França | Lituânia |
2004 Atenas | Argentina | Itália | Estados Unidos |
2008 Beijing | Estados Unidos | Espanha | Argentina |
2012 Londres | Estados Unidos | Espanha | Rússia |
2016 Rio | Estados Unidos | Sérvia | Espanha |
2020 Tóquio | Estados Unidos | França | Austrália |
2024 Paris | Estados Unidos | França | Sérvia |
Então, podemos dizer que a dominância é real. Mas isso não parece justificar a fala de Shaq que, além de tudo, pode desencadear uma xenofobia desnecessária numa liga tão internacional hoje em dia.
A NBA globalizada: fim da supremacia americana?
Os três maiores cestinhas da última temporada da NBA são estrangeiros: o esloveno Luka Doncic, o grego Giannis Antetokounmpo e o canadense Shai Gilgeous-Alexander. O segundo tem 2 MVPs em temporadas recentes e os outros dois são candidatos fortíssimos ao prêmio na próxima temporada.
Aliás, o prêmio de jogador mais valioso também revela muita coisa sobre a internacionalização da NBA. Desde 2018, quando James Harden levantou o prêmio, só tivemos atletas de fora dos 50 estados americanos levando o troféu pra casa.
São 6 anos seguidos com estrangeiros premiados. Isso jamais havia acontecido. Há quase duas décadas uma situação parecida aconteceu quando o MVP do alemão Dirk Nowitzki em 2007 deu sequência a dois prêmios consecutivos do canadense Steve Nash. Mas, hoje, temos o dobro dos prêmios em sequência e com muita chance de aumentar a lista.
O discurso é quase clichê, mas é real
O discurso quase cansado de que cada vez mais vemos uma liga internacional é a pura verdade. O que ganhamos com as falas que desvalorizam os adversários da seleção americana em 2024?
Parecem aquelas oportunidades onde ex-jogadores quase esquecidos dão depoimentos “bombas”. Lá e cá. Aqui, o fulano que foi atacante na década de 80 é sempre melhor que o atacante de hoje. Lá, vez ou outra, uma estrela do passado arruma um jeito de desvalorizar o basquete atual: se joga diferente, não se defende etc.
A verdade é que os Estados Unidos são o maior celeiro do mundo de talentos para o basquete. Mas os outros países não são ridículos. Então, muitas vezes, eles têm ao seu favor o fato de jogarem juntos com muito mais frequência nas competições internacionais. Isso permitiu que a Alemanha, por exemplo, surpreendesse a seleção americana na última copa do mundo da Fiba. Isso quer dizer que a dominância dos EUA no basquete está chegando ao fim? Isso já é outra conversa.
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