Não é fácil ser a 55ª escolha do Draft. Como se sabe, quanto mais alto o jogador é escolhido, mais chances ele terá, mais paciência os times terão com o desenvolvimento, mais contratos garantidos ele receberá. Se for um jogador top 3, mesmo um “bust” vai demorar uns bons 5 ou 6 anos para sumir da liga — como aconteceu com caras como Anthony Bennett e Markelle Fultz.
Por outro lado, não é impossível conseguir ficar na liga mesmo sendo selecionado na rabeira do Draft. Se pegarmos especificamente a 55ª escolha, é possível achar jogadores que tiveram carreiras longas e produtivas, como Patty Mills e Luis Scola; carreiras medianas, como Joffrey Lauvergne e E’Twaun Moore; e até jogadores que ainda estão na liga, como os escolhidos nessa posição nos últimos quatro drafts: Aaron Wiggins (2021), Gui Santos (2022), Isaiah Wong (2023) e, claro, Bronny James (2024).
Com 22 anos e entrando na sua terceira temporada após o Draft, Gui enfrenta talvez o momento mais decisivo de sua trajetória internacional até aqui. Sem contrato garantido, o brasileiro terá seu futuro definido dentro dos próximos 20 dias. Isto porque, a partir do dia 10 de janeiro, todos os contratos não garantidos da liga são oficializados para o restante da temporada, ou seja, o salário do jogador é garantido. Até lá, o fantasma do corte paira sobre esses caras que estão tentando se firmar na liga.
Do ponto de vista financeiro, não há dúvida de que a ida de Gui para os EUA já valeu a pena. Depois de passar a temporada 2022-23 na G League, jogando pelo Santa Cruz Warriors, enquanto sua situação contratual no Brasil era definida, ele assinou um contrato regular de 3 anos, com o primeiro ano parcialmente garantido, o que lhe rendeu, em números redondos, 1 milhão de dólares — o que é bem mais do que a maioria dos jogadores de basquete brasileiros receberá numa carreira inteira. Nesta temporada, se conseguir ficar na liga, ele receberá mais US$ 1,9 milhão (salário mínimo da NBA).
A temporada 2023-24 foi positiva e ajudou o brasileiro a conseguir um garantia total do contrato: Gui estreou de fato na NBA e teve uma quantidade razoável de aparições pelo Golden State Warriors, jogando 23 partidas, embora com uma minutagem um tanto baixa (192 minutos totais, cerca de 8 minutos por jogo). Nesses jogos, ele anotou um total de 28/55 arremessos de quadra (51% de aproveitamento), sendo 10/27 3pt (37%). A amostragem da NBA, porém, foi um tanto pequena — e tudo indica que não deve ser maior este ano.
Nesse ponto, com o futuro de Gui na balança, é preciso avaliar alguns fatores podem pesar para o contrato dele ser ou não garantido nos próximos dias.
Evolução e desempenho
Desde sua aparição na Summer League, Gui mostrou evolução em alguns quesitos, mas, sendo um ala relativamente alto, o principal para ele no GSW sempre foi chutar bem de 3pt e cortar pra cesta, se integrando ao sistema fluido dos Warriors. Havia alguns lampejos de criação de arremessos — e algo que ele tinha muita dificuldade no começo, especialmente nas infiltrações —, mas isso parecia apenas um plus dentro do contexto da equipe da Califórnia.
Ao longo destes 3 anos, Gui também continuou jogando na G League entre as partidas da NBA. Nessa amostragem maior, é nítido um problema: a bola de 3pt não se consolidou. Em 38 partidas pelo Santa Cruz nessas três temporadas, ele teve aproveitamento médio de 30,9% 3pt (variando entre 29% e 32%), acertando um pouco mais de 1 em cerca de 5 tentativas por jogo.
Gui tem jogado bem menos que ano passado tanto na G League quanto no time da NBA. Até agora, nesta temporada, ele jogou apenas 7 partidas pelo GSW, com média de só 4 minutos por jogo, praticamente apenas no garbage time (final de jogo, quando tudo já está definido), e somente 6 partidas pelo SCW, onde está com os seguintes números:
De modo geral, são números OK, mas o problema é que, na maioria, estão abaixo do que ele mostrou ano passado na mesma equipe da G League — ainda mais considerando que ele teve mais minutos em quadra, ou seja, está muito menos eficiente. Ajustando por 36 minutos, ele teve média de 18,7 pts em 2023-24 contra 16,1 pts nesta temporada do SCW, com uma redução também no número de rebotes. O ponto positivo é um aumento razoável em assistências e roubos de bola.
Não é o que se possa chamar de uma evolução nítida, como houve entre 2022-23 e 2023-24. Essa aparente estagnação (ainda que compensada em algumas áreas), especialmente no que diz respeito ao chute de 3pt, pode pesar negativamente contra o brasileiro em caso de uma decisão contratual.
Concorrência interna
Outro fator que complica o espaço que Gui poderia ter no Golden State são outros jogadores buscando espaço. A chegada de Lindy Waters III, que veio de troca do Oklahoma City Thunder, foi especialmente impactante. Com 27 anos, o ala trouxe mais experiência e qualidade técnica, melhor chute de 3pt e a capacidade de atuar como um armador secundário relativamente competente (coisa que o GS sempre precisa, jogando com Curry fora da bola), além de ter um controle de bola bem mais seguro, chegando a tomar espaço de Brandin Podziemski, que tem certa dificuldade quando tem que fazer a função de armador.
Também sem contrato garantido, Waters, que é nativo-americano da etnia kiowa, parece ter se encaixado bem no sistema do técnico Steve Kerr e tem grandes chances de assegurar seu salário, tendo jogado até aqui 22 partidas, sendo 8 como titular.
Somando isso à presença de outros jovens jogadores na ala, como Moses Moody e Jonathan Kuminga, e à chegada do veterano Kyle Anderson (também capaz de armar numa função secundária), Gui parece ter perdido totalmente espaço na rotação.
Golden State em modo competitivo
A verdade, contudo, é que, mesmo que Gui tivesse conseguido uma evolução mais nítida, talvez tivesse menos espaço na equipe principal do Golden State de qualquer modo. Isso porque, com 22 anos e sendo o menos experiente e desenvolvido do grupo, ele teria dificuldade de angariar minutos no momento atual do time.
A questão é que, após um bom início, o Golden State entrou de novo numa má fase e parece determinado a se reforçar para competir. Isso acarretou uma enxurrada de notícias e boatos sobre os jogadores jovens do time estarem disponíveis para trocas que tornem os Warriors competitivos numa Conferência Oeste absolutamente selvagem e permitam aproveitar o que ainda são anos de alto desempenho de Stephen Curry.
O time precisa principalmente de um reforço no ataque, que despencou e, neste momento, com 26 jogos disputados, é o 22º da liga. A primeira providência foi trazer via troca com o Brooklyn Nets o armador alemão Dennis Schröder para substituir De’Anthony Melton, que vai perder o resto da temporada. Mas até jogadores importantes da rotação, como Kuminga e Podziemski, estão supostamente disponíveis para troca.
Nesse cenário, é difícil imaginar que qualquer jogador precisando ser desenvolvido possa ter algum espaço, e o caso de Gui Santos é exatamente esse.
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Futuro incerto
Do ponto de vista de ações que a gerência do Golden State pode tomar, há somente três cenários possíveis:
1) Corte: este seria o pior cenário para o brasileiro. Ao ser cortado do time no meio da temporada, ele receberia o salário proporcional e teria que encontrar uma vaga em outro elenco, muito provavelmente tendo continuando a jogar pelo Santa Cruz Warriors e mostrar que ainda merece atenção de times da NBA.
2) Garantia: este seria um bom cenário. Ter seu salário garantido implicaria que o Golden State ainda enxerga no brasileiro potencial suficiente para merecer investimento. Talvez não tendo espaço agora, mas como peça para o time num futuro próximo.
3) Troca: este pode ser o melhor cenário para Gui. Ao ser trocado, ele teria seu contrato garantido e receberia seu salário ainda que fosse cortado depois. Além disso, se ele for trocado para um time em reconstrução ou sem maiores pretensões na temporada (como Wizards, Pelicans, etc.), é bem possível que tenha minutagem e espaço para tentar mostrar suas habilidades.
Sendo o único representante brasileiro na NBA no momento, Gui certamente tem a torcida de todo mundo por aqui para conseguir ficar por lá. Os sinais que o time tem passado até o momento não são lá muito positivos, mas com menos de 23 anos e um perfil relativamente bem valorizado na liga, não é ufanismo nem exagero imaginar que ainda tenha chance.
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